Caso Sônia: quando a justiça legitima a barbárie
- atendimentopsol
- 17 de set.
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Grupo de estudos e Formação Militante - SC
“Na verdade, nós é que fomos encontrados. Ela foi levada da minha mãe aos nove anos de idade. E minha mãe viveu nessa busca árdua a vida inteira, até que ela morreu, em 2016.”
– Irmão de Sônia
Em 2023, o Brasil foi sacudido por mais um episódio de vergonha histórica: o resgate de Sônia Maria de Jesus, uma mulher negra, surda, analfabeta, que por mais de 40 anos foi mantida em situação análoga à escravidão na casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis (SC). Quatro décadas de exploração. Quatro décadas sem salário, sem direitos, sem liberdade. Quatro décadas invisibilizada, enclausurada em uma edícula mofada.
Este não é apenas “o caso Sônia”. É o retrato vivo da persistência da escravidão moderna, travestida de normalidade e protegida pelo poder econômico, social e político. E mais grave: chancelada pelo Poder Judiciário, que deveria ser o guardião da justiça, mas que, neste caso, escolheu o lado da opressão.

A farsa do “como se fosse da família”
Após seu resgate, Sônia foi levada para uma casa de acolhimento a mulheres vítimas de violência. Mas em poucos meses, o ministro Mauro Campbell decidiu que ela poderia rever a família Borba, se “assim desejasse”. A justificativa: ela era “como se fosse da família”.
Essa frase, carregada de cinismo, escancara a naturalização da violência de classe e de raça. “Da família”? Uma mulher mantida em regime de exploração brutal, sem salário, sem escolarização, sem liberdade? Se isso é ser “da família”, que tipo de família é essa que subjuga, violenta e explora?
O absurdo foi endossado pelo ministro André Mendonça, que revalidou a decisão de Campbell. Na prática, ambos desconsideraram a vulnerabilidade de Sônia – uma mulher surda, analfabeta, isolada – e abriram as portas para a reaproximação com seus algozes. É como mandar uma vítima de violência doméstica jantar com seu agressor.
A hipocrisia do acusado
O acusado não é um “qualquer”. Trata-se de um desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, especializado justamente em Direito do Trabalho. A ironia é cruel: quem deveria defender direitos trabalhistas é flagrado escravizando. Quem deveria ser exemplo de legalidade, viola os princípios mais básicos da dignidade humana.
E não é só ironia: é privilégio de classe. O mesmo sistema que criminaliza jovens negros e pobres por pequenos furtos é aquele que blinda magistrados quando cometem crimes hediondos.
A repercussão internacional e a vergonha nacional
O caso ganhou projeção mundial. O relator da ONU para formas contemporâneas de escravidão, Tomoya Obokata, declarou-se “alarmado” com a decisão da Justiça brasileira. E com razão. O que está em jogo não é apenas o destino de Sônia, mas o recado que o Brasil dá ao mundo: aqui, a escravidão continua sendo relativizada, sobretudo quando praticada pelos de cima contra os de baixo.
O que está em disputa
A família de origem de Sônia, que nunca deixou de procurá-la, luta para tê-la de volta. Mas o desembargador e sua esposa chegaram ao cúmulo de pedir judicialmente a adoção de Sônia e o reconhecimento da “relação socioafetiva”. Querem transformar décadas de exploração em vínculo afetivo. Querem apagar o crime com a tinta da hipocrisia.
Esse é o ponto central: não é apenas sobre Sônia. É sobre quantas Sônias ainda existem neste país, escondidas em mansões, exploradas em cozinhas, varrendo corredores de patrões “de bem”. É sobre como o racismo estrutural, o patriarcado e o elitismo seguem moldando a Justiça e a sociedade brasileira.
Nossa posição
O caso Sônia exige revolta. Exige mobilização. Exige que denunciemos a farsa institucional que tenta legitimar a barbárie. Não aceitaremos a naturalização da escravidão, nem a retórica mentirosa do “como se fosse da família”.
Sônia não é exceção. Ela é símbolo de uma luta maior: contra o racismo, contra a exploração de classe, contra a violência institucional. Sua libertação precisa ser plena – e isso só será possível se transformarmos a indignação em ação coletiva.
Porque enquanto houver uma Sônia escravizada, não seremos livres.
Sobre o grupo
Somos um coletivo de militantes, filiados e simpatizantes do PSOL que se reúne mensalmente para debater teoria, analisar a conjuntura e fortalecer a prática política. Nosso espaço vai além das fronteiras organizacionais, buscando ser um ponto de encontro aberto e plural da esquerda militante. As reuniões acontecem toda primeira terça-feira do mês, de forma online, com temas escolhidos coletivamente pelo grupo.
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